segunda-feira, 24 de maio de 2010




COISAS DO COTIDIANO



Não sinto gosto.
Não sinto cheiro.
Tenho três calos na palma da mão direita que teimam em engrossar a cada dia que passa.
Minhas unhas estão tortas. Não tenho vontade de arrumá-las. Elas crescem, assim como meus três calos da palma da mão direita.
Eu não quero mais que elas cresçam. Nem meus calos. Mas eles crescem.
Finjo não ver, mas quebro as unhas tentando arrancar meus calos.
Arranco os calos e quebro as unhas, mas ambos voltam a crescer, então é necessária uma rotina meticulosamente organizada para que os calos não cresçam em demasia a ponto de quebrar minhas unhas sem que eu consiga arrancá-los.
O vício maldito de passar a língua nos cantos da boca é porque me apavora a idéia de acumular secreções embranquecidas viscosas.
Tento fazer isso discretamente, mas o vício é tão intenso que SEI que acabo por repetir o movimento a cada trinta segundos.
Não bebo água. Deveria, mas não bebo. Continuo urinando. Será que vou secar?
O lado interno da minha bochecha esquerda é áspero. Eu como minha bochecha esquerda, mas ela não tem gosto.
Meus dentes estão esfarelando. Deve ser por isso que não sinto gosto. Acabo por engolir a comida sem mastigá-la.
A máscara de pepino serve de escudo contra as possíveis agressões externas.
As pessoas são más.
Cruzo as pernas. O sangue não circula. A perna formiga e as veias azuis estão cada vez mais visíveis.
Fisicamente dói, mas não importa.
Me incomoda a possibilidade de super exposição genital, mesmo que revestida por algodão.
Meus contatos são virtuais, o que se sugere uma situação extremamente providencial diante de minha falta de tolerância com o ser humano. Quando encho, desligo.
Eu não desligo. A intensidade das minhas sensações e sentimentos circulam à direção de piloto automático.
Minha aversão ao ser humano é consequência da decepção constante e inevitável de quase quarenta anos de contato.
Eu espero que as pessoas sempre tentem dar o melhor de si em tudo o que fazem, assim como eu, mas elas sempre falham.
O ser humano veio com defeito de fabricação.
As pessoas dizem que eu sou insuportável, que eu incomodo. Ótimo.
Fiquem longe de mim.
Fico com meus calos e meus vícios. Eles são teimosos como eu, por isso nossa convivência basta.
Sou feliz.

PAM ORBACAM

Nenhum comentário: