sábado, 21 de maio de 2011

PÁSSAROS MORTOS




Acordei com o corpo todo dolorido, mal conseguia esticar os braços. Parecia que tinha puxado ferro o dia anterior inteiro. Devo ter sonhado, mas não me lembro. Devo ter tido uma noite péssima, um sono péssimo, não me lembro. Acordei olhando para o teto branco e ele estava tão branco como a minha cara e minha memória.
Uma paulada na cabeça. Três passarinhos mortos em uma mesma semana de fato não é normal. Essa anomalia no meu cotidiano me deixou intrigada. Após recolher o terceiro e colocá-lo no pé de uma àrvore pedindo a Oxossi que o acolhesse, assim como fiz com os demais, fiquei pensando o que estaria acontecendo com os passarinhos, se Deus queria ouvir o canto mais de perto, se ele me podou seus cantos ou se aquilo era um aviso.
Me questionei tambem o porquê de passar essa semana toda andando de cabeça baixa, olhando para o chão, (por isso vi os passarinhos mortos) coisa que nunca faço, prova disso são os sapatos descascados no bico devido aos tropeços constantes nas calçadas mal conservadas de Santo André.
Um pé na bunda. Nada que eu não estivesse acostumada, o que não significa que não me deixou abatida.
A porra da solidão. A beleza crua e viscosa da solidão. Silêncio é bom, solidão não.
A boca amarrando como quem come banana verde. O catarro no peito já condenado. A doutora já havia dito várias vezes: seu pulmão, querida, está com a função comprometida, precisa parar de fumar. Isso como se o ar de São Paulo não comprometesse a função pulmonar de todo mundo, inclusive a dela. Aliás, a função principal de todo pneumologista é fazer a trupe fumante parar de fumar. Perda de tempo.
A porrada na cara. Espero demais das pessoas. Minha simpatia incomoda, sempre incomodou e toda vez que levo porrada prometo a mim mesma que vou mudar, mas nunca consigo. Deixa para lá.
A teimosia sempre me acompanhou desde pequena.
Nossa! Meus braços doem como nunca... As costas, bem no meio...
Hoje eu chorei. Fiz bico e chorei, que nem criança. Fazia tempo que eu não fazia isso. O lábio inferior tremendo tentando apoiar o cigarro mentolado, o delineador borrado, o rosto molhado. Sol a pino. Um frio que não é meu percorrendo pelo corpo. Já tenho tanta cicatriz que fiquei meio insensível. Mas hoje não. Hoje eu chorei.
Na barraquinha da feira livre da Praça do Carmo comprei cinco livros. Fui lá para comprar um, mas comprei cinco. Dois deles para presente. Um eu já dei, mas a pessoa nem ligou, nem leu a dedicatória.
Aprendi que vodka com chá gelado é muito bom. Aprendi lendo “A Mulher Só” de Harold Robbins: “ É terrível quando se é mulher orientada para a ‘realização’. Por mais alto que seja o preço que se pague, está-se sempre sozinha quando se chega a qualquer lugar – e de uma forma que nenhum homem jamais terá de ficar.” (Phyllis Chesler, Women and Madness).
Sinto o corpo dolorido e anestesiado. O mesmo sentimento do personagem anônimo de Nilo Oliveira em “Pornografia Pessoal (de um ilusionista fracassado) no conto “Carta de amor (pra acabar de vez com a tua admiração): “Te desejo boa sorte: é bem mais do que eu pude ter. Em nome da nossa velha amizade. Em nome deste mal venéreo que – por ocasião dos meus porres – ainda insisto em xingar de meu amor.”.
Eu sempre estrago tudo. Tenho o dom de estragar tudo, mesmo quando não quero, mesmo sendo honesta, mesmo sendo eu mesma (e talvez seja esse o meu problema), mesmo quando me calo. A vontade filha da puta de ter você e as mãos amarradas, boca tapada e entupida de beijos guardados, palavras não ditas.
Ouvido escancarado para ouvir os vomitos gosmentos que o egoísmo, inveja e desrespeito escorregam martelo, bigorna e estribo:
“Todo mundo quer te comer, NE ?”
“Um dia ainda te dou uma resposta que você não vai gostar...”
“Hello! Ei Pam! Tem alguém aí? Acorda pro mundo! Não acredito que você pensa assim, que vive em mundinho de conto de fadas.”
“Que fique bem claro que foi você quem quis dessa forma. Combinamos de não cobrar nada um do outro.”
“O seu grande erro foi se apaixonar. Eu já estou acostumado a lidar com isso.”
PORRA!!!
Será que é tão difícil assim respeitar o ponto de vista dos outros? Será mesmo tão difícil assim acreditar que eu não me aproximo das pessoas por interesse? Por que é difícil acreditar em mim? Porque todo mundo mente? Isso não é um problema meu.
Saudade da minha psiquiatra que quando eu aparecia com essas milongas doloridas e líricas me mandava tomar uma dose de uísque, trepar e depois fumar um cigarrinho. Ela dizia que isso era melhor que fluoxetina com morfina.
O mundo é um lugar onde não cabe a minha inocência, pureza e alegria. Ele não comporta o meu amor (olha a porra do lirismo aí de novo...)
Preciso chorar mais. Mas agora não dá. Tenho que adiar o meu choro para mais tarde, no MEU mundinho lá de casa, escondida, protegida.
Preciso chorar mais.
Preciso chorar.
Preciso chorar para amanhã acordar feliz de novo.



Pam Orbacam.

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