domingo, 26 de junho de 2011

PROGRAMA DA ELIANA



Domingão, chuva e eu lavando roupa. Minha filha acorda e liga a televisão no programa da Eliana, a grávida mais linda e chata que já vi na minha vida. Durante os últimos meses os quadros que ela apresenta ou falam sobre gravidez ou sobre como criar filhos. Enfim... Primeiro filho, vai a gente até entende, mas seu público não é obrigado a engolir forçada e semanalmente quadros que abordam sempre o mesmo tema. Eu prefiriria mudar de canal ou desligar a TV, mesmo porque sei que não há programa que valha a pena assistir em TV aberta, mas como quem manda na TV em casa é minha filha, enquanto a máquina lava a roupa sento eu no sofá (que agora é a minha cama) e tento me concentrar no próximo quadro: "A doutora lskdhiurhj lança livro com o título O que tem no prato do seu filho"Afff.... 
A doutora, visivelmente nervosa e com um reboco na cara que pedreiros só fazem sob encomenda para prédios e casas que devem durar por pelo menos 100 anos, começa sua fala: NA VERDADE, temos que prestar mais atenção na alimentação de nossos filhos (Ah! nãoooo) COM CERTEZA seu filho não se alimenta adequadamente por falta de hábito, uma reportagem revelou que a obesidade infantil é reduzida se a família senta toda junta na mesa e faz as 3 refeições diárias como deve ser. É até um bom momento de "troca", oportunidade para conversar sobre como foi o dia.... blá, blá, blá... 
Eliana presta uma atenção fenomenal na explicação, mesmo porque lógico, ela com a vidinha normal dela, provavelmente só faz as refeições em restaurantes finos e duvido, DUVIDO que ela vai trocar sequer UMA fralda do seu filho.
O público faz perguntas (précombinadas com a produção) e a doutora, chacoalhando a cabeça o tempo todo quando fala, responde: NA VERDADE, COM CERTEZA, NA VERDADE, COM CERTEZA...  Ou seja, não passou informação inovadora nenhuma, apenas disse coisas que já estamos cansados de ouvir e sabemos que não funcionam. Passou a receita de um Shake para fazer cagar, um suco super hiper mega vitamínico que além de desinchar as gestantes e fazer muito bem a saude de seu filho tem uma cara horrorosa e cor de diarréia, um outro suco antioxidante e anti colesterol com uns negócios sólidos boiando que mais parecia um vômito e uma salada de frutas alternativa (existe isso?) para que seu filho coma. 
Ora bolas... Minha querida doutora em bosta nenhuma, eu tenho cá comigo minha certeza absoluta que filho nenhum nessa vida vai acordar um dia e pedir pra mamãe: mãe, me faz um suquinho antioxidante hoje? To com vontade... Enquanto você bebe sua hiper coca cola zero para evitar que acumule mais banha do que já tem. 
DUVIDO que enquanto você come um x-bacon brilhante de gordura no café da manhã, seu filho vai sentir-se feliz da vida em comer a tal salada de frutas alternativa.
Vamos combinar: se você não é o exemplo de uma pessoa que se alimenta bem, seu filho VAI se alimentar mal SIM, se você tem bolachinhas traquinas guardadas no armário, daquelas com mais recheio, seu filho VAI SIM comer o pacote inteiro.
Então, minha cara doutora expert em assuntos idiotas e receitas falidas com cara de diarréia e vômito, chego a conclusão que você, NA VERDADE  e COM CERTEZA, não tem filhos visto que acredita nessa balela toda que você disse hoje na TV.
Bom finalzinho de domingo, NA VERDADE E COM CERTEZA.

Pam

domingo, 19 de junho de 2011

MEU TEMPO



Um dia desses atrás eu renasci, ou ressuscitei mais uma vez. A dor física perdura por certo tempo, talvez para me fazer lembrar que ainda pertenço ao limbo não obstante quase tenha subido (mais uma vez) ao andar de cima, se é que ele existe, se é que tenho cadeira reservada lá. A dor física me faz lembrar que faço parte da raça inferior que Deus criou como experiência mal sucedida. Ele deve ter vergonha, mas deve se divertir olhando as cagadas da sua criação, porque não acaba logo com ela... Se eu fosse ele carregaria comigo um arrependimento eterno.
Na cabeça o inchaço consequente do "curto circuito". Penso demais, durmo de menos e apesar de ter perdido neurônios nas diversas vezes que entrei em choque, creio que cada vez que passo por uma dessas Deus pensa assim: Ah, vou trazer ela pra cá porque ela é muito brain storm pra esse mundinho já tão estragado. Aí eu vou. Quando chego lá, acho que ele olha pra minha cara e pensa: Vixi... vou ter que aguentar ela aqui? Aqui não tem internet, teclado e ela vai me encher o saco porque não vai poder escrever e vai ficar falando... falando... Não tenho saco! É. Vou mandar ela de volta. Aí eu volto, cheia de dor, neurônios a menos como castigo na intenção divina de que pense menos para falar menos, escrever menos e quem sabe da próxima vez ele possa encarar minha companhia com menos receio, ou me mandar de vez pro inferno. Sei lá.
Sei que cada vez que volto, sinto a plena certeza que morri e a rejeição do Pai criador.
Sinto uma raiva imensurável e choro, porque sei que me foi dado mais tempo.
Tempo pra quê?
Pra quê?

Pam

sábado, 18 de junho de 2011

TEMPORAL

(OBRA DE CASSIANO RICARDO TIRAPANI)

É UM DESEJO ASSIM...
DE DESPEJO
LAMPEJO
CORTEJO
UM DESEJO ASSIM...
DE MANIA
POESIA
CARNE VIVA
UM DESEJO
CARNICEIRO
VERDADEIRO
BOM DE CHEIRO
UM DESEJO...
SONHADO
ACORDADO
DELICADO
MOLHADO.
ARRANCADO
DA VIRILHA
DOS MIOLOS
DAS TRIPAS
DA FADIGA
UM DESEJO QUE MENDIGA.
UM DESEJO REBOCADO
REMENDADO
GUARDADO
PINTADO 
SEM TINTA.
MALDITO,
IMPLORADO
SOZINHO
ÚNICO
MUDO
ATEMPORAL.


Pam

quinta-feira, 16 de junho de 2011

F5



Nos últimos tempos tenho lido mais do que o comum, e por consequência do pouco tempo que me sobra do cotidiano considerado normal minha prosa e poesia tem se esvaído como fumaça de cigarro, lentamente, aos poucos. Sai numa baforada densa e logo sobe aos céus diluindo-se no ar poluído de São Paulo e quando vejo lá se foi o gancho, a idéia, a porra da inspiração (se é que ela existe mesmo).
Estou relendo livros que há tempos li, aliás, livros que por diversas vezes li, vários ao mesmo tempo, intercalando entre alguns que recebi de presente (isso é raro), alternando poesia e prosa e selecionando melhor os blogs que leio, o que me faz visitar com frequência e quando digo frequência quero dizer diariamente alguns poucos que os autores atualizam diariamente. Isso tem se tornado um vício que não considero ruim e me fez pensar na porra da tecnologia que tanto é rotulada por distanciar as pessoas do mundo "real". 
Sinto um estranhamento e certo conflito a respeito desse discurso. Não sei se pela minha natureza solitária ou por ultimamente incorporar com mais intensidade a idéia que sempre tive das relações humanas (coisa difícil, pelo menos para mim). O contato não virtual com "gente"com o passar do tempo tem se tornado cada vez mais difícil para mim. É algo como "sinto que vou me decepcionar a qualquer instante"o que 90% das vezes acontece e faz com que eu retorne ao mundo virtual prático: desligo quando percebo que isso vai acontecer e até por esse mesmo motivo a seleção criteriosa até nesse mundinho tão vasto e criticado.
Aí fico analisando a importância de quem mantém um espaço virtual atualizá-lo frequentemente (não me incluo nessa trupe, embora esteja considerando seriamente a possibilidade disso). 
Minha expectativa ao visitar um "amigo"virtual compara-se a uma visita "normal não virtual". É definitivamente foda chegar na casa de alguém e dar de cara com a cara do visitado amassada e receber um "oi, tudo bem?" exatamente igual a visita anterior. Sinto o mesmo quando visito espaços virtuais e vejo sempre o post que já havia lido na última visita. 
Sei, sou chata. Sei, sou perfeccionista. Sei, espero demais de tudo e de todos. Sei, sei, sei... Ah! Sou assim... CHATA! Sei, meu discurso é contraditório, porque não posto diariamente. SEI!
Foi necessidade de "falar"algo sobre o qual tenho pensado e analisado ultimamente cá com meus botões, apenas uma pequena partícula da vida tosca que vivemos (pode se incluir nessa), porque a vida é cheia de ações repetitivas, indesejadas, cotidianas, tal qual pegar ônibus todos os dias para trabalhar sempre no mesmo horário, almoçar sempre no mesmo horário (tento fugir disso, aliás, nem almoço as vezes, o que não dá pra fazer com o horário de trabalho), ir ao mercado com o olhar focado direto nas mesmas prateleiras porque a gente sempre compra as mesmas coisas e coloca sempre no mesmo lugar do armário quando chega em casa, essas coisas toscas da vida que faz o tempo passar tão rápido trazendo junto com os ponteiros uma sensação de "daonde apareceram essas rugas?"
Houve um tempo em que eu passeava no mercado e curtia as mercadorias como criança em loja de brinquedos. Hoje não mais. O tempo é curto e passa rápido. Houve um tempo em que eu sentava no banco do ônibus e percorria o mesmo caminho diariamente vendo coisas diferentes sem me conformar com as pessoas que dormiam nos bancos e perdiam de vista o mundo lá fora (hoje as entendo). Hoje não mais. Houve um tempo em que eu não me importava com essas coisas. Hoje não mais. 
Devo estar ficando velha ou ranzinza, mas prefiro acreditar que estou mais seletiva em tudo que faço me aproximo, vejo e toco.
Não há tempo a perder porque o tempo passa muito rápido, inclusive agora eu já deveria estar tomando banho para ir ao trabalho encontrar com minha abelha, companhia de sala fria e vazia de gente e cheia de livros, mas estou aqui escrevendo, fugindo do compasso.
Devo ler mais. Reler mais. Meu olhar para as coisas está ficando comum, o que nunca foi comum na minha vida. Acho que estou no caminho certo.
Devia continuar o post, tem muita coisa aqui na minha cabeça remexendo meus miolos, mas o tempo (e a bateria do note) está acabando.
Ontem eu ouvi numa aula de literatura onde trabalho algo sobre essa coisa de "tem que fazer, tem que ir lá, tem que meter a cara"e me vi claramente nesse discurso, há bons anos atrás. Percebi o quanto meu fôlego hoje está reduzido, o quanto o que eu era mudei e lembrei de uma conversa que tive no mesmo dia na biblioteca onde trabalho sobre a possibilidade de mudança nas pessoas. Sempre achei que as pessoas não mudam e defendi essa tese piamente nessa conversa, mas percebi logo depois, a noite no curso, que defendi uma tese errada, a minha vida inteira.
E a grande prova disso, sou eu.

Pam

domingo, 12 de junho de 2011

PENSAMENTOS DESCONEXOS (eu nunca consigo... deixar de ser eu.)



O pijama amarelo de botões e as pantufas rosa com pompons. A "sensualidade" em pessoa. As unhas mal feitas, esmalte vermelho descascado nas pontas. As mãos deslizavam sobre os pelos negros da gata e ela serrava os olhinhos e soltava miados quase inaudíveis. Lembrei de quando ninava Mari há quase 17 anos atrás. Isso se foi, esvaiu, passou. Sinto uma solidão gostosa, fria, silente.
Ontem salvei da morte o meu ratinho, João Negão. Ele tem cavanhaque branco e quase morreu de frio. Estava encolhido entre os jornais picadinhos quase que totalmente gelado. Coloquei o bichinho em contato com minha pele quente por baixo do pijama para aquecê-lo, como se faz com um bebê e João, com muito custo e vagarosamente retomou consciência, abrindo os olhinhos e chacoalhou os bigodes e sinal de agradecimento. Sim, os ratos sentem frio. Me senti mãe de novo. Esse sentimento tem se rarefeito durante os anos. O tempo passa, os filhos vão para a vida e é assim que deve ser.
Sinto uma solidão gostosa, fria e silente.
Sinto além disso um sentimento estranho, meio que indecifrável e contraditório, uma coisa incompreensível para mim. Além da solidão gostosa, fria e silente, um desejo de afundar meu nariz no seu peito e roçar meus pés nos seus sob o cobertor quente, em contrapartida uma vontade voraz de nunca ter saído da barriga da minha mãe, de dentro daquele mundinho gostoso, também quente e... protegido. 
Ou então... gritar o desejo insuportável de ficar nua e tomar banho de tinta e rir alto do que um dia acreditei que não fosse apenas uma brincadeira boba. Vontade de não ser brinquedo nas mãos das pessoas. Vontade de... 
Sei lá. Hoje, apenas pensamentos desconexos. Neurônios a menos, apenas.
Penso além do que deveria. Eu nunca consigo deixar de ser eu (desculpe Rishi). E sinceramente, acho que eu sou uma besta mesmo. Mas isso passa. Sempre passa, assim como o tempo, os filhos, o frio e você.


Pam

sábado, 4 de junho de 2011

SOBRE SONHOS


VOCÊ ME FALOU DE TANTOS SONHOS

SOU EU O PROFESSOR EM MATÉRIA DE SONHAR

E O SONHO EM MIM É UMA QUALIDADE

EM VOCÊ É UM DEFEITO

O QUE NÃO SABE ACORDAR

NÃO PERCEBE A DIFERENÇA

ENTRE OITO E OITENTA

JÁ NÃO SABE MAIS CONTAR

NÃO PERCEBE A DIFERENÇA

ENTRE O MEL E A PIMENTA

JÁ PERDEU O PALADAR.

VOCÊ CHAMOU ISSO DE MALOCA

DEPOIS VEM BATENDO A PORTA NA MALOCA, QUER ENTRAR

VOCÊ PENSOU TER MUITO DINHEIRO

NEM CRUZADO NEM CRUZEIRO

PODE ME COMPRAR

VOCÊ ME FALOU DE TANTOS SONHOS

E SOU EU O PROFESSOR EM MATÉRIA DE SONHAR

E O SONHO, EM MIM É UMA QUALIDADE

EM VOCÊ É UM DEFEITO

QUE NÃO SOUBE ACORDAR

NÃO PERCEBE A DIFERENÇA ENTRE OITO E OITENTA

JÁ NÃO SABE MAIS CONTAR

NESTE SAMBA EU NÃO TE QUERO

NÃO TE QUERO NESTE SAMBA

NÃO LHE CHAMO PRA DANÇAR.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

ENCRUZILHADA




O SILÊNCIO NÃO ESTÁ NOS LENCÓIS AMARROTADOS
NEM NA COLHER QUE MISTURA O AÇÚCAR NA BEBIDA.
NÃO PARA EM FARÓIS
NÃO ESTÁ SOBRE A MESA
NEM NO ESTÔMAGO EMBRULHADO.
O SILÊNCIO NÃO ACORDA COM O TOQUE DO TELEFONE
E NÃO SE FAZ PRESENTE
NEM TAMPOUCO AUSENTE
PORQUE É ELEGANTE E INARROGANTE.
NA IRRITABILIDADE DO SILÊNCIO
EXISTE A INVISIBILIDADE CONSTANTE
DO MAIS SIMPLES, COTIDIANO E COMUM.
O SILÊNCIO ESTÁ DEBAIXO DO CHAPÉU, COMO OS CABELOS.
CAMUFLADO, HIBERNADO, AJEITADO.
O MEU SILÊNCIO, O SEU, O NOSSO
É O QUE FODE TUDO, MEU BEM.
É CODIFICADO.
É ENCRUZILHADA QUE LEVA A NADA.

Pam


quinta-feira, 2 de junho de 2011

MARGARIDAS SUICIDAS

(Obra: Margaridas - de NeGO)



Já li esse texto dezenas de vezes. Não sei porque - aliás, sei, mas prefiro deixar incubado o motivo pelo menos por hora - hoje ele me abraçou com tamanha força, entrando em mim pela boca arregaçando os dentes e ficou parado no meu estômago junto aos meus cacos indigestos. Minha poesia está muda e pelo que me conheço ficará assim por um bom tempo, ausente de mim e do mundo. Não existe um dicionário que revele o significado das palavras moídas e afiadas que estão cortando a minha língua. Não sei. Não sei. É difícil e necessária a tarefa de tomar escolhas nessa merda de vida. É difícil assistir o suicídio das minhas margaridas quando se está do outro lado do vidro, inerte, impossibilitada de impedir qualquer ação ou reação. É difícil ser espectadora dessa beleza alva e sedosa se espatifando bem diante do meu nariz sem poder fazer nada. É difícil ver minhas margaridas alçando vôo rasante, silenciosas (como sempre) e perdendo-se na neblina. Não tenho a imagem delas destruídas, apenas delas indo embora e desaparecendo na silente e gelada neblina. Dói. Me sinto viva. Mas dói. Ah... Como dói...

Pam




Achei uma coisa e abri o champanhe e abracei todas as palavras como pude, todas ao mesmo tempo, com toda a força que eu ainda tinha na época e que surgiu agora, do nada, para desaparecer e novo assim que abri os olhos.
Cedo demais, cedo demais.
Meu deus, como era lindo, como as coisas são lindas quando são puras.
Quero voltar no tempo. Agora. Agora!
Ah, não dá?
Então eu vou dormir. Há uma semana que sonho o que deveria estar acontecendo. Não quero acordar, estou cansada, a realidade se mistura com o pesadelo e com os sonhos bestas e eu apenas assisto, sem desviar o olhar. Virei mais uma espectadora de minha própria vida.
Hoje as minhas margaridas cometeram suicídio. Atiraram-se da janela do 13 andar, todas juntas, as margaridas suicidas. Talvez elas estivessem tentando matar alguém, margaridas kamikases. Jamais saberei. Cheguei em casa, a janela aberta, o pratinho sozinho, sem as margaridas suicidas que espalhavam-se pelo chão, mortas. Hoje eu vou rezar por mim, por vocÊ e pelas margaridas que se atiraram todas juntas sem nem me deixar um bilhete. Hoje eu vou dormir com gosto de champagne e a doçura que o passado andava me escondendo em arquivos velhos e meio perdidos. É tão bom lembrar da doçura do que tornou-se amargo. É tão bom. São 5 da manhã, os ônibus já acordam as ruas, todos indo trabalhar, mais um dia sobrevivendo, acho que estou melhorando, o que você acha? Eu acho que estou melhorando. Boa noite, você não me ouve, Boa noite.

(Das Coisas Esquecidas atrás da estante - Clarah Averbuck)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

ORAÇÃO DAS DONAS DO INFERNO




Tem gente que me crucifica por escrever geralmente sobre a dor. O que me faz escrever sobre a dor, geralmente é a própria dor (óbvio), e para que eu sinta dor é preciso estar sozinha. Quando estou sozinha a dor aflora de maneira intensa, e é a mesma dor que existe dentro de mim quando não estou sozinha. Minha dor é tímida, e não gosta de ser vista, fica incubada até que se sinta a vontade para se fazer presente em forma de transpiração. Eu escrevo sobre a dor, sobre a minha dor que é minha sombra inseparável e a única coisa que me faz sentir viva. Que os a deuses abençoem, pois é por ela, dela, com ela que minha produção literária se faz presente. Se isso incomoda, definitivamente não é um problema meu. Se você não quer que a sua aflore, tal qual a minha, porque sei que meus textos e poemas são um espelho, não olhe para ele. Você pode se assustar ao ver refletido nele a sua própria dor. Abaixo deixo um texto de Clarah, de um de seus livros que considero como o livro da dor e a bíblia dos escritores saturninos. Quem não o leu - e não pensem que li depois do programa "Troca de família", li muitos anos antes, antes mesmo dela tornar-se uma escritora comercial (desculpe Clarah, mas é MINHA análise, que pode não significar porra nenhuma pra você). Não sei quantas vezes li esse livro, mas hoje ele pra mim é como um livro de preces. Esta é uma prece.

Pam Orbacam


Senhor, livrai-me da felicidade.
A felicidade constante é estúpida. Serve para aqueles que desejam uma vidinha normal, uma caminha morna, um beijinho seco de boa noite. Para quem quer a rotina que mata qualquer paixão, qualquer chama, qualquer faísca que possa incendiar uma vida.
A felicidade emburrece. Entorpece. Entorpece. Quero sentir tudo. Deixa doer.
A felicidade é uma cama morna. Preciso de calor. Preciso de brilho nos meus olhos, suor nas minhas costas, vapor nas minhas roupas, preciso do sangue borbulhando em minhas veias. O filho da puta não pára.
Ajudai-me a manter meu caminho de pedras e espinhos, de montanhas e desfiladeiros.
A sangrar e chorar com a dignidade de fazer o que preciso fazer.
A explodir em mil fogos e chover, brilhando, uma vez a cada cinquenta facadas.
A sorrir sem limpar o sangue seco, porque vale a pena. Tudo vale, porque não saio da minha trilha. Não sei e não quero aprender a andar fora dela. Fora dela não há sentido, não há vida, não há nada além do vazio que me engole quando menos espero,, como uma nuvem, uma sombra maldita que me atormenta desde sempre.
Dai-me força e a coragem de ir até o fim com a cabeça erguida e os olhos fechados.
Estou tonta, rouca, sem ar, cega, perdida. Estou perdida.
Deus deve salvar.
Não se atira no abismo. Se atira em mim.

(Clarah Averbuck - Das coisas esquecidas atrás da estante)