quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

MENSAGEM A PAM




Houve um tempo em que os Deuses vinham a Terra brincar com os mortais, chegavam muitas vezes sem anuncio, divertiam-se ao ver as pessoas impressionadas tentarem imitar suas façanhas. As vezes eles também vinham ajudar, como Amom fez com as pirâmides dos egípcios, alguns vinham amar, como Zeus que deixou uma cria, tinham também os que vinham causar discórdia, como Nossa Senhora fez com Joana D’Ark... enfim, isso foi a muito tempo, um dia os homens aprenderam a reconhecê-los fazendo assim com que eles não voltassem, tivemos que pagar por isso, desde então, quando tentamos falar com os Deuses, não temos respostas claras, na verdade, nem mesmo a certeza de sermos ouvidos.
Até então eu nem mesmo acreditava nisso, mas algo aconteceu e eu não entendi... Conheci uma pessoa que conseguiu mudar toda uma existência e chorei, me senti tão incapaz perto dela, descobri que era simplesmente insignificante e egoísta, só então percebi que não se tratava de uma pessoas, mas sim de uma Deusa, a mais bela de todas, a mais bela Deusa me encontrou e me abraçou, soprou o ar em minhas narinas e só então aprendi que viver é muito mais do que simplesmente respirar, essa Deusa prometeu-me não querer mais partir, mas eu não me sentia melhor, ela é capaz de criar planetas, faz chover nas noites em que estamos juntos para que o barulhinho da chuva na telha nos nine, ela conseguiu resgatar meu sorriso... Mas com tudo isso eu não podia, sou apenas um mortal, como 100.000 outros mortais e não podia oferecer-lhe nada... Eu me sentia na obrigação e ela sempre me disse que não, que não procurava isso, agora entendo, uma Deusa não precisa de alguém que possa oferecer-lhe fortunas, fama, prestigio, tudo isso é facilmente conquistável por elas, ela precisava de amor, o amor que eu já oferecia a ela, e que como uma dama mortal aceitara gentilmente. Agora em Terra vivemos assim, sem nada, pois tudo que ela tinha ficou em alguma terra distante, sabemos apenas que necessitamos um do outro e que o meu amor é tão divino quanto o dela mortal, ela pode criar, mas decidimos fazer da maneira mais satisfatória, juntos iremos construir o que nenhum dos dois foi capaz sozinho.
Minha Deusa Pam, agora que estamos aprendendo juntos, tudo fará mais sentido, tudo que sentimos é novo e fascinante, obrigado por ter salvado um mortal de seu cruel destino inevitável.

R: As Deusas amam de forma diferente. Elas amam ternamente e eternamente. Elas preservam o seu amor. Elas o escolhem não entre os simples mortais. Não escolhem pessoas insípidas ou inodoras. Escolhem pessoas especiais. Escolhem pessoas que nasceram entre borboletas e estrelas. Elas amam não só com o corpo, mas tbm com a alma, e a alma é pra sempre que nunca acaba. O que seria de uma Deusa sem seu amor? Não seria uma Deusa. Você, amor da minha vida, me transformou em uma Deusa, e eu lhe serei eternamente grata por isso.


Ah !!! um suspiro escapou, desses que simplesmente acontecem sem querer quando estamos bem... E de fato ele estava bem, teve seus valores simplesmente jogados na frente de um caminhão qualquer que passava a toda velocidade e agora depois do susto devido ao supetão, sente-se livre, na verdade nunca teve a intenção de vir a ser o que era, sua boemia resultava de um desconforto que sentia em sua própria casa... Então não era culpa da casa, dos bares, da “encheção de saco”, tudo era bem simples, era apenas solidão, era a falta que sentiu durante tanto tempo e nunca se deu conta disso... Agora, bem e completo, ele caminha durante a noite e vê as estrelas que a muito não via, e espera para poder voltar para casa... para a casa de verdade, dela e dele.

E ela, que havia pensado e se conformado com o fato de ter nascido com o destino traçado para sempre ser só, então, a luz de estrelas e aos beijos de borboletas descobriu que na presença dele a solidão era apenas uma poeira a ser soprada, que o amor existe, que sem ele não poderia viver. Descobriu então que a solução para sua morte era a vida dele.


A HORA DA TOCA


Pela relva continuamos a caminhar.
Andamos por campos verdes onde colhemos flores.
Nadamos em rios refrescantes e brincamos de jogar água um no outro.
Mas era sempre a mesma história, sua toca não podia me abrigar e minha toca não podia abrigá-la, sempre com o chegar da noite nos despedíamos com lágrimas nos olhos.
Mas um dia olhando para as estrelas ou correndo atrás das borboletas, não me lembro bem a que hora, tivemos uma luz... Por que continuar isso se podemos mudar ? E percebemos que o que acontecia nada mais era do que comodismo.
Agora estamos a cada dia construindo nossa toca, machucamos nossas patas com a terra que entra debaixo das unhas, talvez ela não esteja profunda o suficiente ainda para nos abrigar... Mas, em breve ela será nossa, só nossa e não haverá mais despedida com o chegar da noite ou a necessidade de nos comunicarmos por sinais de fumaça no meio do dia enquanto o leão não está olhando. E quando voltarmos da festa dos bichos da floresta deitaremos sem preocupação no dia de amanhã.


O LOUVA DEUS


Disse ele:
- Sorria, agora é a hora, por muito me escondi esperando ver uma gota de esperança em seu coração, muitos desacreditaram nisso e passaram a olhar-te como o tal monstro que sempre desejou ser, podes tirar sua mascara peluda e cortar essas unhas... Tolos aqueles que me chamam de Louva-deus por acharem que acredito em um Deus superior no céu, minha criança, eu louvo o divino que existe no interior de cada um de vocês e é isso o que acontece, o divino só pode ser louvado quando está completo e agora louvo-te por isso, vá atrás dos sonhos que não são mais irreais do que essa conversa que estamos tendo agora, acredite neles, mas saiba sempre o que sente em relação ao amor, porque quando se acredita pode se desacreditar, mas quando se sabe, não existe volta.
- Eu sei o que sinto (disse sem hesitar)

- E eu lhes abençôo por saberem o que querem sem dúvidas, por não cometerem o pior de todos os erros, o que os tolos chamam de “ser racional”. Não procurem fora de vocês o que abunda dentro de seus corações. (disse o Louva-deus limpando os olhos com seus bracinhos)

- Fique conosco (disse Orbacam, com um leve sorriso na face)

- Estarei sempre com vocês, nos jardim de rosas e margaridas, no chá apanhado em cima da mesa ou no trigo seco guardado, estarei sempre com vocês (disse o Louva-deus pulando de volta ao arbusto e desaparecendo entre as folhas).

R: ... e depois disso, todos os dias eu vejo borboletas, elas me beijam e se vão...
... e depois disso, todos os dias têm cor e todas as noite repletas de paz...
...e depois disso, todos os dias meu coração pulsa pela ânsia de estar ao seu lado... todos os dias...


(Com os devidos créditos, por Orbacans, há bons anos atrás)
algumas coisas são pra sempre que nunca acaba.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011






às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria.
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros.
Olha
como só tu sabes olhar
a rua
os costumes…

Mário Cesariny

ENTRE MIM E O MEU SILENCIO





Entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem
o mundo. eu sou o que não devia e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco da alegria,
porque mil mãos e dez mil dedos me percorrem o corpo
e me beijam. entre mim e o meu silêncio há uma
confusão de equívocos que não entendo e não admito.
sou arrogante, porque sou do país em que inventaram
a arrogância. sou miserável. que sei eu?

Sou um viajante
com destino traçado, como o fumo deste cigarro que
desaparece indeciso e já esqueceu de onde veio. e rio,
rio, rio, perdido e desalmado, de dentes sujos e quase
doente, porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo aceso, em cada estrela. Rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuvens, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.

José Luís Peixoto

SEM TÍTULO E BASTANTE BREVE

Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor....

na verdade, estou derrubado
sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,
não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, á beira mar...

dizem que ao possuir tudo isto
poderia Ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos....
...esta memória lamina incansável

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
....que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão

AL BERTO

COMO SE FOSSEM JANGADAS

Como se fossem jangadas
desmanteladas,
vogam no mar da memória
as camas da minha vida ...
Tanta cama! Tanta história!
Tanta cama numa vida!
Grabatos, leitos, divãs,
a tarimba do quartel;
e no frio das manhãs
lívidas camas de hotel ..
Ei-Ias vogando as jangadas
desmanteladas,
todas cobertas de escamas
e do sal do mar da vida ...
Tanta cama! Tantas camas!
Tanta cama numa vida!
Já os lençóis amarrados
tocam no centro da Terra
(que o reino dos desesperados
fica no centro da Terra!)
e os cobertores empilhados
são monte que não se alcança!
Só as tábuas das jangadas
desmanteladas
boiam no mar da lembrança
e no remorso da vida ...
Homem sou. Já fui criança.
Tanta cama numa vida!
Nem vão ao fundo as de ferro,
nem ao céu as de dossel. ..
Lembro-vos, camas de ferro
de internato e de bordel,
gaiolas da adolescência,
ginásios do amor venal!
Barras fixas. Imprudência.
Sem rede, o salto mortal
pra fora da adolescência ...
E confundem-se as jangadas
desmanteladas
no mar da reminiscência ...
Onde estás, ó minha vida?
Sono. Volúpia. Doença.
Tanta cama numa vida!
E recordo-vos, tão vagas,
vós que viestes depois,
ó camas transfiguradas
das furtivas ligações!
Camas dos fins-de-semana,
beliches da beira-mar ...
Oh! que arrojadas gincanas
sobre os altos espaldares!
E as camas das noites brancas,
tão brancas!, tão tumulares!
Cigarros. Beijos. Uísque.
Ó fragílimas jangadas,
desmanteladas ... !
E nelas há quem se arrisque
sobre os pélagos da vida!
Cigarros. Beijos. Uísque.
Tanta cama numa vida!
E o amor? Tálamo, templo,
conjugação conjugal ..
O amor: tálamo, templo
- ilha num mar tropical.
Mas ao redor, insistentes,
bramam as ondas do mar,
do mar da memória ardente,
eternamente a bramar ...
Já no frio dos lençóis
há prelúdios da mortalha;
e, nas camas, sugestões
fúnebres, torvas, pesadas ...
- Sede, por fim, ó jangadas
desmanteladas,
a ponte do esquecimento
prà outra margem da Vida!
Sede flecha, monumento,
ponte aérea sobre o Tempo,
redentora madrugada!
Se o não fordes, sereis nada,
jangadas
desmanteladas,
todas roídas de escamas
da margem de cá da Vida ...
Pobres camas! Tristes camas!
Tanta cama numa vida!