quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A PRESA E O PREDADOR




O chapéu cinza, a calça de linho preta e um relógio de pulso prateado. Obrigado moça, olhou e sorriu pra mim, agradecendo pela gentileza em consentir que se sentasse ao meu lado e logo olhou para o outro. Em menos de três segundos olhou pra mim novamente, percebi apesar de possuir olhos de predador que ele me olhava, mas não disse nada, apenas me olhava. Voltou o rosto novamente para o outro lado então foi a minha vez de me virar e olhar. Vi suas mãos brancas e rugosas, manchadas pelo tempo e o pescoço franzido como papel dobrado em forma de leque sob a aba traseira do chapéu. Presas têm os olhos nas laterais da face para facilitar a percepção de um possível ataque do predador. O homem é um predador por natureza, assim como os felinos, olhos na parte frontal para fixá-los na presa sem dispersão na hora do ataque.
Ele era um homem predador por natureza que olhava sua possível presa.
Queria apalpar os meus seios, tinha certeza disso. O hálito levemente alcoolizado facilitou a sutil desinibição em olhá-los descaradamente. Fiz de conta que não percebi, mas as mãos dele se mexiam quase que involuntariamente em movimentos que denunciava seu desejo. Ele foi discreto, educado, no entanto o desejo era de tamanha transparência que não havia discrição suficiente que o entocasse nem debaixo do chapéu cinza nem debaixo das calças pretas.
Ele era um homem predador por natureza que olhava sua possível presa não como um felino, mas como homem que era, corroído pelo tempo, corrompido pelas etiquetas sociais, pervertido pelo instinto natural de reprodução, demolido pela falência corporal e tomado pelo desejo que há tempos se tornara algo irreal. Aparentava já se contentar com desejos não realizados. Parecia feliz em somente imaginar sensações. Era o que o movia a caminho do restante de seus dias e o que pulsava efervescente sob a pulseira do relógio prateado.

Paula Miasato

MOLUSCO



É, eu ando incruada na minha toca de novo, eu sei. Eu sou um molusco, e apesar de ter ouvido isso da boca de um especialista em coisa alguma qualquer encanei com a idéia por dois dias e fiquei mal, me imaginado um ser invertebrado grudado na crosta da própria casa e a arrastando por onde quer que passe, ou melhor, sempre pelos mesmos caminhos, porque um molusco não pensa (ou pensa?) age por instinto (ou não?). Fiquei mal com a sobreposição de imagens entre minha figura e a de um molusco na sua real forma natural criada por sei lá quem, com anteninhas gosmentas, rastejante, submersa num mundo sem som nem vizinho, sempre em slow motion. Minha cabeça não funciona em slow montion. Um caracol rastejante de cabelos loiros com flores tatuadas no corpinho invertebrado que deixa um rastro fluorescente por onde passa. Eu marco o meu caminho.
Eu sou um molusco. Pensar que sou um molusco acaba com a minha criatividade e hoje eu acordei meio puta, piranha mesmo e no caminho do trabalho fiquei imaginado como seria a buceta de uma lesma, se é que ela tem buceta, porque apesar de ser um molusco eu não entendo absolutamente nada do “universo moluscal” nem da “angústia da finitudinêz”. Eu invento palavras, e com acento.
Eu preciso comprar uma garrafa de vodka e de Nestea de pêssego pra deixar na geladeira. Preciso tomar uma dose por noite com meia pedra de gelo, como manda a receita de “A Mulher Só” de Harold Robbins, mas não posso petiscar amendoim salgado porque senão eu derreteria, como um molusco e isso seria um fim muito triste e torturante. Mas eu tenho a minha carapaça e posso “beliscar” as folhinhas verdes das plantas, embora eu prefira um Big Mac com batatas fritas grande e coca cola sem gelo, porque coca cola gelada provoca arrotos descomunais e minha filha briga comigo quando deixo a coca fora da geladeira, mas briga comigo também quando  bebo coca gelada e solto um arroto que ecoa a quadras. Quando é ela quem arrota, ela não briga consigo mesma.
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Pensando melhor, eu nem poderia tomar a dose noturna de Harold Robbins. Meu (des) equilíbrio e consciência dependem diariamente de 100 mg de Fenobarbital e 10 mg de Diazepan. A Fluoxetina eu me recuso a tomar. Tenho pilhas de cartelas delas. Estou pensando em fazer algum babado legal com elas e com a portinha emoldurada de 30cmx50cm que eu encontrei jogada no lixo... Tá aqui do meu lado. É... As bolinhas de Fluoxetina são coloridas, vai ficar massa. Quem sabe eu faça um super porta retrato emoldurado de Fluoxetina e coloque uma foto imensa da minha cara de lelé mostrando o dedo do meio pros possíveis (e muitos) curiosos que se atreverem (e vão) a abrir a portinha? Nossa! Tem que ter continuidade... Tenho que fazer uma sequência de fotos das caras imbecis nesse momento. Vou montar uma exposição com elas e vai se chamar “A curiosidade faz um tonto”.
Talvez seja essa a MINHA “angústia do todo” e da “finitudinez”. Eu de fato não quero saber porque existe alguma coisa e não o nada. Pra mim isso não faz diferença alguma e não mudaria em nada a minha rotina e o meu destino. Acho que o que talvez fizesse alguma diferença na porra da minha “vida moluscal” seria sentir algo que há tempos não sinto. Ajudaria muito se eu soubesse o que é, mas eu não sei.
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Se você souber, não me conte.

Paula Miasato