segunda-feira, 31 de maio de 2010






HERANÇA

- Meu querido filho venha aqui, aceite este mimo como sinal da minha eterna amizade e admiração. Um nada, diante do meu profundo agradecimento e dos meus sinceros votos de duradouro sucesso e renovada prosperidade. Que ele lhe seja um amuleto, trazendo-lhe muita sorte nos negócios e, que a passagem das horas e as memórias, lhe sejam sempre leves –
Foi diante desse discurso agradecido que aquele jovem de pouco mais de dezessete anos recebeu um relógio de pulso que, ao primeiro olhar e livre das influências de um discurso inflamado pela emoção, já demonstrava ter algo, misteriosamente especial.
Tão logo ele se viu sozinho passou, finalmente, a observar o lindo prêmio recebido. Realmente era uma máquina de se admirar. Caixa dourada, provavelmente de ouro. Não se sentia com coragem para acreditar que realmente pudesse ser de ouro. Sentia-se gaiato, como se pudesse, a qualquer instante, ser descoberto e obrigado a sentar novamente, no banco dos réus, depois de encerrado o julgamento. Teria que aprender a conviver com certa culpa por ter recebido algo tão valioso enquanto não conseguisse reconhecer claramente, qual havia sido a sua real importância no desenvolvimento dos fatos. Naquele momento, o que importava é que a pulseira de couro lhe remetia a uma vida de aventuras. O marrom avermelhado do que já fôra um crocodilo, fazia brilhar em sua memória, as imagens da África que vira há pouco, em alguns postais e fotos na casa de uma amiga. Imaginava a magnitude do esforço envolvido, no longo percurso percorrido por aquele pequeno pedaço de couro, do distante Egito dos Faraós até as suas mãos... Por quantas mãos passara aquela tira de pele animal¿ De alguma forma, a partir de agora, ele se sentia responsável também, pela vida daquele crocodilo. E de muitos outros. No fundo metálico ofuscante, um pequeno número gravado em uma bela letra, ligeiramente inclinada, atribuía-lhe originalidade e elegância. No mostrador, circundado por doze pequenas barras em estilo decô, reluziam uma coroa e três elegantes ponteiros, inequivocamente, de ouro. Mais do que antes, sentiu apenas agora a responsabilidade que lhe haviam atribuído, ao oferecer-lhe essa jóia.
Usou-o com fé por mais alguns anos. Usou-o com orgulho e prazer até que a sorte e a fortuna alcançadas fossem banalizadas pelas bênçãos cotidianas. Foi então que, casualmente, em uma morna noite de verão, colocou seu precioso companheiro dentro de uma gaveta na cômoda do quarto. E esqueceu-se dele.
Desde então, sua vida, lentamente estagnou-se e o brilho da caixa dourada que iluminou seu caminho durante tantos anos, apagou-se rapidamente, dentro de uma gaveta escura.
Certo dia, muitos anos depois, já casado e com um casal de filhos, divagava sobre o que o futuro lhes havia reservado. Ao ver seu filho ele reviu, como um raio, seus momentos de fartura e sucesso.


Instantaneamente, perguntou-se:
- Onde estará meu amuleto¿
- Meu relógio mágico¿
- O que fiz com ele¿
- Meu esquecido amuleto...
Chave da sorte,
- Esquecido... Na gaveta,
quantos anos...
- Meu querido filho venha aqui, aceite este mimo como sinal da minha eterna amizade e admiração. Um nada, diante do meu profundo agradecimento e dos meus sinceros votos de duradouro sucesso e renovada prosperidade. Que ele lhe seja um amuleto, trazendo-lhe muita sorte nos negócios e, que a passagem das horas e as memórias, lhe sejam sempre leves –
Foi diante desse discurso agradecido que aquele jovem de pouco mais de dezessete anos recebeu um relógio que, ao primeiro olhar e livre das influências de um discurso inflamado pela emoção, já demonstrava ter algo, misteriosamente especial.
Tão logo ele se viu sozinho passou, finalmente, a observar o lindo prêmio recebido. Realmente era uma máquina de se admirar. Caixa dourada, provavelmente de ouro. Não se sentia com coragem para acreditar que realmente pudesse ser de ouro. Sentia-se gaiato, como se pudesse, a qualquer instante, ser descoberto e obrigado a sentar novamente, no banco dos réus, depois de encerrado o julgamento. Teria que aprender a conviver com certa culpa por ter recebido algo tão valioso enquanto não conseguisse reconhecer claramente, qual havia sido a sua real importância no desenvolvimento dos fatos. Naquele momento, o que importava é que a pulseira de couro lhe remetia a uma vida de aventuras. O marrom avermelhado do que já fôra um crocodilo, fazia brilhar em sua memória, as imagens da África que vira há pouco, em alguns postais e fotos na casa de uma amiga. Imaginava a magnitude do esforço envolvido, no longo percurso percorrido por aquele pequeno pedaço de couro, do distante Egito dos Faraós até as suas mãos... Por quantas mãos passara aquela tira de pele animal¿ De alguma forma, a partir de agora, ele se sentia responsável também, pela vida daquele crocodilo. E de muitos outros. No fundo metálico ofuscante, um pequeno número gravado em uma bela letra, ligeiramente inclinada, atribuía-lhe originalidade e elegância. No mostrador, circundado por doze pequenas barras em estilo decô, reluzia uma coroa, inequivocamente, de ouro, assim como os três elegantes ponteiros. Mais do que antes, sentiu apenas agora a responsabilidade que lhe haviam atribuído, ao oferecer-lhe essa jóia.

Usou-o com fé por mais alguns anos. Usou-o com orgulho e prazer até que a sorte e a fortuna alcançadas fossem banalizadas pelas bênçãos cotidianas. Foi então que, casualmente, em uma morna noite de verão, colocou seu precioso companheiro dentro de uma gaveta na cômoda do quarto. E esqueceu-se dele.
Desde então, sua vida, lentamente estagnou-se e o brilho da caixa dourada que iluminou seu caminho durante tantos anos, apagou-se rapidamente, dentro de uma gaveta escura.
Certo dia, muitos anos depois, já casado e com um casal de filhos, divagava sobre o que o futuro lhes havia reservado. Ao ver seu filho ele reviu, como um raio, seus momentos de fartura e sucesso.
Instantaneamente, perguntou-se:
- Onde estará meu amuleto¿
- Meu relógio mágico¿
- O que fiz com ele¿
- Meu esquecido amuleto...
Chave da sorte,
- Esquecido... Na gaveta,
quantos anos...
- Meu querido filho venha aqui, aceite este mimo como sinal da minha eterna amizade e admiração. Um nada, diante do meu profundo agradecimento e dos meus sinceros votos de duradouro sucesso e renovada prosperidade. Que ele lhe seja um amuleto, trazendo-lhe muita sorte nos negócios e que a passagem das horas e as memórias, lhe sejam sempre leves –

Não tenho filhos.

Coube a mim... usar o relógio.


Texto: Augusto Citrangulo

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