sábado, 5 de junho de 2010


É preciso cortar as asas



Então ela procurava encontrar a definição exata para sua condição ali... E entre tantos, todos falando quase que ao mesmo tempo, entre uma "viagem” e outra conseguiu a definição exata: Um papagaio. Sim! Era isso! Um papagaio! Era esse o personagem que lhe foi “docemente” atribuído.
Falsidade revestida de extrema sutilidade havia lhe imposto esse personagem. Um personagem que definitivamente seria o último dos últimos na sua lista de opções. Um personagem que suscita bestialidade. Um papagaio doméstico, daqueles que não tem gaiola. Tem lá seu puleirinho, sua água, comidinha, mas não tem grades que o prendam. Falsa ilusão de liberdade. Tem o vasto espaço da “casa” para explorar, mas suas asas são cortadas de tempos em tempos, para evitar que alce vôo. Então o tonto e iludido papagaio passa o tempo todo a se rastejar pelo chão em tentativas inúteis de alçar vôo, no entanto nunca consegue.
Seu dono observa. O papagaio está sob seu domínio. “Deixe que ele tente, deixe. Quando o abusadinho estiver quase conseguindo eu vou até lá, lhe faço um afago e corto suas asinhas novamente. Dessa forma ele continua a rastejar, sempre sob meus olhos. Deixe-o imaginar ser livre. Dessa forma posso dominá-lo melhor e quando quiser”.
Mas ele rasteja, rasteja...
Essa é a pior forma de domínio. Quem utiliza essa estratégia geralmente são pessoas que não gostam de ninguém, incluindo a si mesmas. Pessoas inseguras, com necessidade inalterável de auto afirmação. Pessoas carentes. Pobres carentes que para receberem um abraço precisam fingir que são felizes, simular que amam, mas são incapazes de amar porque estão em constante conflito interno com sua auto estima. Basta olhar dentro de seus olhos para perceber a infelicidade que se acumulou e cristalizou durante todos os seus anos vividos, infelicidade penitenciária.
Olhos vazios. Existe um brilho, de quando em quando nas tentativas de emergir, na vã tentativa de obter aconchego. Dá pena.
Vida consistente em materialidade, mentirosa benevolência e fuga constante de si próprio. “Não me olho no espelho. Não olho para ninguém. Não tenho ninguém. Não tenho nada. Eu uso sim as pessoas. Eu as uso para mostrar a mim mesmo que sou o melhor, que sou incomparável, que minha palavra basta, mas algo em mim teima em questionar incessantemente como eco no vazio se sou assim mesmo, ou se pelo menos sou algo... É preciso cortar as asas! Se não fizer isso eles voam e eu não quero ficar aqui embaixo, sozinho, como na verdade sou. Preciso ter alguém a rastejar. Isso me consola, me dá prazer e a sensação de que posso, de que posso...”.
E então ela rasteja. Entre outros, ela rasteja, e ele goza.

PAM

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