quinta-feira, 12 de julho de 2012

O QUE FICOU GUARDADO




Hoje eu já não calo mais o que ficou guardado. Nem guardo mais o que ficou calado. Hoje eu desconfio do seguro e confio na instabilidade. Pego o abstrato e admiro o concreto. Não me aproximo, porém invado. Sinto uma falsa saudade de alguns falsos amigos. Digo verdades e aponto o dedo na cara de gente mentirosa. Como brigadeiro. Fumo cigarro de filtro vermelho. Trepo sem camisinha. Esqueço meu passado e só lembro do teu. Continuo a sentir enjôo. Sinto cheiro de mijo pelas ruas da cidade que pensa que é viva, mas está morta. Ouço o Vassalo. Sinto dores. Recebo cura. Minha gata preta continua ao meu lado. Está gorda. Bebo café Moóca, é melhor que o Melitta. Não te reconheço. Uso vestidos discretos. Não lembro como era o teu pau. Não sinto vergonha de mim. Sinto vergonha do que está a minha volta. Não conto mais histórias. As vezes bebo cerveja, depois me arrependo. Mijo.   É uma forma de compensação. Gosto de olhos negros. Tenho dez unhas em duas mãos, cada uma delas tem um tamanho diferente. São como meus neurônios. Faço barulho e mando o vizinho tomar no cu, na porta da casa dele. Recebo pratos de comida por baixo da porta como um presidiário. Serviço público. Não sinto orgulho da  minha vida profissional, mas vou viver uma velhice feliz. Pinto quadros. Jogo no lixo. Escrevo livros. Jogo no lixo. Não leio o que escrevo. Gosto cru. Hoje não calo o que ficou guardado. Não guardo o que ficou calado. Não acredito em verdades, nem em olhos bonitos, nem em sorrisos medíocres. Eu não sinto falta, sinto excesso.


Paula Miasato

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