sábado, 5 de dezembro de 2009

INSANIDADE



Insanidade: alienação, demência, doidice, loucura, mania, piração, psicose, delírio...

Deito em meu colchão fino acomodado no chão. Único objeto no quarto. Não consigo dormir. Toda noite é assim. É imediato: logo após me acomodar no colchão meus olhos saltam das órbitas e impedem então o tão esperado abraço de minhas pálpebras.
Fico assim, com os olhos arregalados, voltados para o teto embolorado. O quarto é úmido e tem um cheiro que me remete à infância: cheiro de cachorro molhado que dilacera a coleira com os dentes no desejo incontrolável de atender ao convite dos campos gramados à frente da sua prisão. Amolece a coleira de couro com a própria saliva até que ela cede ao atrito dos dentes afiados e então corre pelos campos, voltando somente após o término da chuva de verão direto para os meus braços, com uma felicidade estampada em seus olhos caninos que nunca vi refletida nos meus ao olhar para o espelho...
O teto úmido do meu quarto tem pequenas manchas de bolor do tamanho aproximado de azeitonas e eu tenho a missão de contás-las todas as noites. Conto uma vez: 187 manchas. Reconto para certificar-me que não me esqueci de contar nenhuma: 187 manchas. Mas o quarto É úmido e certamente mais dia menos dia a quantidade de manchas VAI aumentar, então eu as conto todas as noites para me certificar que TODAS elas estão ali, que NENHUMA desapareceu (afinal de contas, o quarto É úmido...) e eu preciso saber exatamente quando surgirá uma nova mancha.
Ansioso e precavido, deixo sempre ao meu lado uma folha de papel e um toco de lápis (mal apontado). É preciso anotar o dia exato do surgimento da nova mancha, e depois anotar os surgimentos subseqüentes.
Tendo a média de intervalos entre o surgimento de uma nova mancha e outra será possível então calcular quando o teto estará todo preenchido por manchas de bolor, e isso é essencial para o ser insone que aqui vos fala, pois, tendo idéia de quando isso irá acontecer poderei com antecedência procurar por outro quarto úmido, visto que seria uma completa doidice ficar deitado num quarto com os olhos esbugalhados alimentando a abstinência sexual de minhas pálpebras com um teto todo negro de bolor sem manchas novas para contar.
Não, isso não é loucura não... Não. Não é... Definitivamente NÃO É LOUCURA. Loucura seria ficar deitado num quarto sem manchas de bolor no teto. Louco seria eu se permitisse a chegada do dia em que eu não tivesse mais manchas de bolor para contar. Sim, isso é loucura!
É por isso que eu conto. 187 manchas. Reconto... 187 manchas... Reconto novamente... 187 manchas... 187 manchas... 187 manchas... 187 manchas... 187 manchas...



Pam Orbacam

Um comentário:

Anônimo disse...

Renan Malentaqui Lousada: porra !