quinta-feira, 2 de junho de 2011

MARGARIDAS SUICIDAS

(Obra: Margaridas - de NeGO)



Já li esse texto dezenas de vezes. Não sei porque - aliás, sei, mas prefiro deixar incubado o motivo pelo menos por hora - hoje ele me abraçou com tamanha força, entrando em mim pela boca arregaçando os dentes e ficou parado no meu estômago junto aos meus cacos indigestos. Minha poesia está muda e pelo que me conheço ficará assim por um bom tempo, ausente de mim e do mundo. Não existe um dicionário que revele o significado das palavras moídas e afiadas que estão cortando a minha língua. Não sei. Não sei. É difícil e necessária a tarefa de tomar escolhas nessa merda de vida. É difícil assistir o suicídio das minhas margaridas quando se está do outro lado do vidro, inerte, impossibilitada de impedir qualquer ação ou reação. É difícil ser espectadora dessa beleza alva e sedosa se espatifando bem diante do meu nariz sem poder fazer nada. É difícil ver minhas margaridas alçando vôo rasante, silenciosas (como sempre) e perdendo-se na neblina. Não tenho a imagem delas destruídas, apenas delas indo embora e desaparecendo na silente e gelada neblina. Dói. Me sinto viva. Mas dói. Ah... Como dói...

Pam




Achei uma coisa e abri o champanhe e abracei todas as palavras como pude, todas ao mesmo tempo, com toda a força que eu ainda tinha na época e que surgiu agora, do nada, para desaparecer e novo assim que abri os olhos.
Cedo demais, cedo demais.
Meu deus, como era lindo, como as coisas são lindas quando são puras.
Quero voltar no tempo. Agora. Agora!
Ah, não dá?
Então eu vou dormir. Há uma semana que sonho o que deveria estar acontecendo. Não quero acordar, estou cansada, a realidade se mistura com o pesadelo e com os sonhos bestas e eu apenas assisto, sem desviar o olhar. Virei mais uma espectadora de minha própria vida.
Hoje as minhas margaridas cometeram suicídio. Atiraram-se da janela do 13 andar, todas juntas, as margaridas suicidas. Talvez elas estivessem tentando matar alguém, margaridas kamikases. Jamais saberei. Cheguei em casa, a janela aberta, o pratinho sozinho, sem as margaridas suicidas que espalhavam-se pelo chão, mortas. Hoje eu vou rezar por mim, por vocÊ e pelas margaridas que se atiraram todas juntas sem nem me deixar um bilhete. Hoje eu vou dormir com gosto de champagne e a doçura que o passado andava me escondendo em arquivos velhos e meio perdidos. É tão bom lembrar da doçura do que tornou-se amargo. É tão bom. São 5 da manhã, os ônibus já acordam as ruas, todos indo trabalhar, mais um dia sobrevivendo, acho que estou melhorando, o que você acha? Eu acho que estou melhorando. Boa noite, você não me ouve, Boa noite.

(Das Coisas Esquecidas atrás da estante - Clarah Averbuck)

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