quarta-feira, 3 de agosto de 2011

ANA CLÁUDIA




Ela gostava de observar os homens e gostava de ser observada por eles. Era discretamente safada! Sabia que lambíamos os beiços depois que ela passava.
Ana não tinha um requebrado vulgar, era apimentado e ácido, nos fazia salivar e ela sabia disso. Era gostosa. Sabia que chegaríamos em casa e esperaríamos nossas inodoras esposas dormirem para nos masturbarmos gostosamente com a lembrança fotográfica do ritmo de seus quadris, discreto, porém sexualmente aguçado.
A minha cabeça era vorazmente preenchida por impurezas, e eu sei que ela sabia e sei também que ela gostava disso. Gostava de ser uma vadia enrustida.
Tinha curvas, leveza e um sorriso convite. Seus cabelos cheiravam xampu caro e cigarros, uma mistura de elegância com vadiagem. Isso me excitava.
Era uma putinha discreta. Não se oferecia. Apenas passava recolhendo pra si os olhares dos machos, inclusive os acompanhados, que levavam broncas e beliscões de suas fêmeas assexuadas.
Ana tinha predileção por mãos. Eu percebi após um tempo considerável de observação diária. Era sempre no horário do almoço. Ela passava pelos homens, os olhava rapidamente no rosto, mas seus olhos fixavam-se cuidadosamente nas mãos e Ana não se preocupava em disfarçar. Fazia sempre o mesmo caminho, sempre no mesmo horário, sempre no mesmo ritmo.
Percebi que esboçava sutil sorriso ao passar por homens com mãos brancas, sem calos, frias, macias e cheirosas.  Penso eu que ela imaginava essas mãos em seus seios e sentia tesão, entretanto engolia saliva grossa quando passava por homens de mãos morenas, secas, fortes e rústicas como lixa. Imagino que sua vagina rosa contornada por fino traço marrom molhava ao pensar nessas mãos grudadas em seus quadris por trás, deixando marca e cheiro de sujeira nas ancas.
Ana não era indiscreta ao vestir-se. Usava roupas que não marcavam o corpo, não usava decotes ousados nem saias curtas. Nunca mostrava o umbigo, aliás, pouco se via de sua pele além do rosto, pescoço, braços e tornozelos, mas a sensualidade de seus gestos me enrijecia por baixo do tecido fino da velha calça de linho desbotada.
Ana tinha cheiro de perfume importado, sexo e cigarros. Tinha pele alva, aparentemente quente o suficiente para sufocar e saciar qualquer macho.
Eu pensava em Ana mesmo nos dias em que não a via. Pensava que aquela mulher, por mais que cozinhasse nunca teria cheiro de cebola nas mãos, por mais que limpasse um banheiro, jamais me beijaria cheirando a água sanitária.
Eu sinceramente acho que Ana nunca teria outro cheiro, a não ser o seu próprio, de perfume importado, sexo e cigarros.
Minha mulher fazia a melhor feijoada do bairro. Era uma feijoada de saciar os desejos de qualquer um, daquelas que exalava o cheiro a quadras, mas ela nunca teria o cheiro de Ana, aquele cheiro de perfume importado, sexo e cigarros. O máximo que poderia alcançar era um misto de colônia da avon com alho amassado e unhas enrugadas e corroídas por desinfetante doméstico.
Não a culpo, ela até que tentava, mas o cheiro característico de esposa já estava impregnado na pele, nas roupas e nos cabelos.
Ana nunca cheiraria a esposa, embora demonstrava apresentar todos os requisitos para que fosse uma perfeita, mas esposas nunca são perfeitas, então Ana nunca seria uma esposa perfeita, porque cheirava a perfume importado, sexo e cigarros.
Eu desejava Ana. Todos os dias, mesmo nos dias em que não a via. Além do corpo, desejava saber o que ela pensava e como falava. Aliás, nunca ouvi sua voz, não conhecia seu nível intelectual nem sabia nada sobre sua vida e acredito que talvez fosse esse o motivo principal de meu encantamento por ela.
Na vidraça da minha retina, Ana era a mulher perfeita.
Um dia, após passar por mim como de costume no mesmo local e horário, ela coincidentemente encontrou um conhecido. Um homem.
Ela não o havia visto porque era de costume caminhar distraída, mas ele a viu e chamou seu nome. Ana. Foi nesse dia que descobri que a mulher de pele alva e cheiro de perfume importado, sexo e cigarros se chamava Ana.
Ela parou, delicadamente virou o pescoço em sua direção e sexualmente sem intenção caminhou até ele. Era algo naturalmente incorporado a ela. Ana era muito sexual, mas suas provocações sexuais eram casualmente despretensiosas. Nesse instante percebi que as solas dos seus sapatos não apresentavam desgaste nem para o lado de fora nem para o lado de dentro.
Perfeito!
Ana era perfeita. Ela pisava perfeitamente o que não danificava os saltos de seus sapatos. Tinha cheiro de perfume importado, sexo e cigarros.
Senti inveja daquele homem. Ele a conhecia, e por mais que tivesse cara de bobo, eu podia ver mesmo à distância o movimento incessante e proposital de suas narinas a aspirar o cheiro de perfume importado, sexo e cigarros que brotavam de Ana. Enquanto ele conversava, a espuma acumulava nos cantos da boca. Devia estar de pau duro.
Inveja. Eu não tinha mãos brancas frias sem calos, nem morenas e rústicas. Minhas mãos não tinham personalidade. De todas as vezes que passou por mim, Ana nunca fixou os olhos em minhas mãos e isso me fazia sentir um homem estéril.
Raiva. Ela não desgastava as solas dos sapatos e minhas mãos não tinham personalidade.
Ódio. O homem abria e fechava as narinas. Entornava narina adentro o cheiro de perfume importado, sexo e cigarros de Ana. Não deixou nada para mim. Eu era estéril.
De pau duro, mãos sem cor nem personalidade, estéril, abri bem as narinas, respirei fundo e caminhei com meus sapatos de solas desgastadas para o lado de fora em direção a eles, suguei força de todos os músculos do corpo e juntei catarro e saliva na boca. Ao passar por Ana, escarrei na cara dela e prossegui caminhando calmamente sem olhar pra trás.
Ainda pude ouvir os xingamentos do tal homem. Não controlei meu riso alto e maquiavélico. Continuei andando sem olhar pra trás. Limpei o queixo babado do escarro.
Ana vadia. Nunca poderia ter nascido assim com todos esses atributos positivos. Ana não existe, ela merecia mesmo um escarro.
Olhei para as minhas mãos. Agora elas tinham personalidade, e eu já não era mais um homem estéril.

 Paula Miasato

2 comentários:

f.f. disse...

foda.

inesperado desfecho. é despretensioso, parece banal, mas aí vc se depara com a fundidez desse homem mal-amado por ana. ótimo.

aliás (coincidencia a mais), tb tenho a minha obsessão por anas...rsrs

Paula Miasato disse...

Por que será?