quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SINESTESIA


Embora meu pensamento nesses últimos dias esteja tomado pela cacetada violenta de um passado não muito distante, entretanto inesgotável ainda que não resgatável, não sei ao certo explicar o porquê da tua imagem estampada na minha cara hoje quando entrei no ônibus a caminho do trabalho. Tranco dos bons, o necessário pra estar contente e aliviar a cacetada da realidade.
Aliás, não sei explicar porque quando entro num coletivo você me vem à mente. Acho engraçado associar sua figura de uma beleza que agrega algo entre o romântico e o pervertido a um objeto assim tão comum no meu cotidiano pessoal e ao mesmo tempo tão abstrato na nossa “história”, se é que se pode dizer assim, não encontro a palavra adequada, talvez seja “momento”, ou melhor, personificando a código de barras: “instante instável super hiper mega planejado e interrompido por foice ou cutelo definitivamente não alinhavável nem a agulha de carne e evaporado por palavras mal pensadas advindas de uma mente insana e impetuosa feminina”.
O transporte coletivo me lembra você. Que mixo. Poderia ser uma escultura, um poema de Drummond ou uma música do Chico, mas o que de fato leva meu pensamento à lembrança de sua pessoa é o transporte coletivo. É incomum, mas eu gosto. Gosto do desigual.
Devo me transformar em uma daquelas figuras abominavelmente estranhas que a gente flagra dentro dos coletivos fazendo caretas e esboçando risinhos estranhos e cínicos, às vezes mórbidos ou patéticos e toma como certo o diagnóstico: Psicose Esquizofrênica Delirante. Internação.
A verdade é que quando sento e me deixo levar ao trabalho ou a qualquer lugar que seja aos solavancos de péssimos amortecedores e ruas visivelmente porosas é batata: vejo você, sorriso pálido, desenhado, risquinhos (e não covinhas) nas bochechas, meu olho refletido no vidro dos seus óculos e por trás deles os seus, grudados nos meus.
Só depois disso então a música lentamente invade a cena traçando o mapa-múndi junto a caneca de café recém coado, da madeira molhada e das mãos geladas. Sinestesia pura. O sexo úmido e quente. O cheiro do café com sexo e do cigarro com o sabonete Lux Luxo (que mixo) separado até ontem na saboneteira a espera do próximo banho. Ontem por acaso eu abri a saboneteira. Ele está trincado, seco. Passou-se já algum tempo. Joguei no lixo.
Que mixo um coletivo me trazer lembranças de você. Além disso, enigmático.
Que mico admitir que eu pense em você, mas eu penso e acho isso ridículo. Rio sozinha e confesso, sinto uma sensação boa e única ao lembrar das mãos geladas e trêmulas alheias ao corpo quente, a pele branca e o sorriso convidando minhas coxas a sorrir junto como uma dança, um tango, expondo o subconvite escancarado da vulva molhada numa cumplicidade instantânea e voraz. “Vem!”.
 A boca que nega o beijo e faz crescer o meu desejo, desejo e  anseio que me trazem a lembrança e a impressão de que não aconteceu. Talvez não tenha mesmo acontecido. Talvez tenha sido apenas sonho. É. E sonho é sonho...
Eu talvez pudesse alterar minha conclusão se casualmente roçasse meu corpo de costas contra o seu e quem sabe até afirmaria com veemência se você propositalmente apalpasse minhas nádegas como naquele dia (sonho?), no momento em que sentei no seu colo e abri seu livro (não posso abrir livros, o mundo ao meu redor some).
Como diz Cazuza, “eu acredito no meu lado português sentimental”. Sonho ou realidade, seja lá o que aconteceu, ainda sinto seu cheirinho. Algo entre o romântico e o pervertido ficou grudado na mucosa das minhas narinas.

 Paula Miasato

2 comentários:

Theone disse...

É muito belo, é triste mas é também delirante.
Adoro seus textos.

Paula Miasato disse...

;)